Prefácio à quarta edição dos “ Contos da Montanha”
Depois de muitos anos de desterro, regressam novamente ao torrão natal
os heróis deste atribulado livro. Nesta época em que tantos portugueses de
carne e osso emigraram por fome de pão, exilaram-se eles, lusitanos de papel e
tinta, por falta de liberdade.
Enfarpelados num duro surrobeco de embarcadiços, lá se foram
afoitamente em demanda do Brasil, o seio sempre acolhedor das nossas aflições.
E ali viveram, generosamente acarinhados assistidos de longe pela ternura
correctiva do autor. Voltam agora ao berço, roídos de saudade. E não é sem
apreensão que os vejo pisar, já menos toscos de aparência o amado chão de
origem. É que muita água correu sob a ponte desde que se ausentaram. Quatro décadas
de opressão desfiguraram completamente a paisagem do país. A humana e a outra.
Velhos desamparados, adultos desiludidos, jovens revoltados – num palco de
desolação. Almas amarfanhadas e terras em pousio. Que alento poderá receber dum
ambiente assim, uma esperança de torna-viagem? Mas a pátria é um íman, mesmo
quando a universalidade do homem, como neste preciso momento, sai finalmente
dos limites tacanhos do planeta. Poucos resistem à sua atracção ao verem-se
longe dela, seja qual for a órbita em que se movam. Até os seus filhos de
ficção. Por mais fortuna que tenham pelo mundo a cabo, é com o ninho onde nasceram
que sonham noite e dia. É que só nele se exprimem correctamente, estão cetos os
seus gestos, são realmente quem são. De maneira que não me atrevi a contrariar
a vinda das minhas humildes criaturas, como a prudência talvez aconselhasse.
Pelo contrário: favoreci-a. Pode ser que o exemplo seja seguido, e o êxodo, que
empobreceu a nação, comece a fazer-se em sentido inverso, e as nossas misérias
e tristezas mudem de fisionomia. Portugal necessita urgentemente de ser
repovoado.
S.
Martinho de Anta, Natal de 1968
Miguel Torga
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