segunda-feira, 24 de março de 2014

CHOVE

           CHOVE

Chove o céu está cinzento
A chuva é contrária ao ser
Eu sinto no meu pensamento
Chuva intensa nele a escorrer

Vivo uma grande tristeza
Falo verdade ou minto?
Quero dizer com certeza
Aquilo que em mim sinto

Sei que verdadeiramente
Vivo entre o sonho e a ilusão
Mas quando a chuva cai levemente
Porque a Musa o consente

Encharca o meu coração

sexta-feira, 14 de março de 2014

SURREAL OU SONHO??

SURREAL OU SONHO
Sinto um murmúrio no espaço, que entra no meu pensamento, pensamento ou sonho?
Sem falar interrogo? – Porque estas aqui?
Uma força empurra-me para fora de mim. De quem é este corpo que tenta libertar-se do caixilho onde o emolduraram?
– Mas será caixilho ou cama. – Indago
-Sou eu? Pergunto-me
- Porque me sinto preso e liberto?
Espanto-me!!
Avisto-a e avisto os raios de luz que me indicam a sua presença.
Tão sedutora como uma maça, tão miragem como um fogo-fátuo.
Estendo o braço, que não me obedece.
-Que vivo eu?
Tento alcançar a maça?
Porque sinto uma impossível presença?
Eu sei que será sempre inatingível, não sei se ela o sabe, mesmo assim digo.
 – Deixa-me surrealizar o meu sonho.
-Surrealiza-me.
Respondem: Ela a maça ou o sonho?
Acordo, não sei.


quarta-feira, 12 de março de 2014

TU SABES..

TU SABES

À vezes se te lembras procurava-te
Detinha-me em ti, esgotava-me e perdia-me
Sabia que haver-te perdido era encontrar-te
E nessa dança de viver me comprazia

Não percebendo no fundo que dizer-te
A distância de tempo e de espaço não existia
Indispensável era ter-te para perder-te
Num ciclo que se repetia dia a dia

Era tudo tão complexamente natural
Vivia das tuas palavras e da tua imagem
Sem saber como chegou um dia fatal
Que em mim te imortalizaste como miragem

É com espanto que ao espelho me olho
Espantado diviso-te naquilo que me restas
Acredita o que faço, não sou eu que escolho
Sei no caminho, não faço parte das tuas metas.



segunda-feira, 10 de março de 2014

A IGREJA DO CONVENTO

A IGREJA DO CONVENTO

A meio da encosta verde, de frente para o vale do Cávado o contraste entre a natureza e o construído pelo homem ainda é mais evidente. O Mosteiro de Mire de Tibães é presença assídua na minha vida quotidiana, não porque lá vá todos os dias, mas todos os dias os meus olhos o encontram. Ao longe ao entardecer ainda me parece mais solene e é possível sentir o silêncio em oração dos monges que o construíram e habitaram. A sua localização incentiva a diversas contemplações. Uma virada para o exterior, a partir das varandas e janelas a paisagem a perder de vista ao longe montes e colinas e bem mais perto um rio “ O Cávado” na sua incessante busca do mar, e claro a paisagem já moldada pelo homem, de que se destacam como marcas de fé, algumas torres de Igrejas de terras vizinhas. Mas também uma contemplação virada para o interior do Mosteiro, os seus amplos corredores, que no seu silêncio convidam a um olhar interior, os claustros que nos seus já incompletos azulejos, vão narrando uma história exortando cada um, nas suas circunstancias a uma imitação de vida. Os jardins e a mata, natureza construída pelo homem facilitadora da busca do infinito, como se ao intervir assim na natureza, os monges quisessem construir uma réplica do Paraíso.
Como corolário a Igreja construída num tempo em que a pressa não estava presente, o prazo era ditado pelos meios existentes e muitas vezes pela generosidade de todo um povo, os prazos das obras não estavam ligadas à necessidade do poder. Provavelmente a própria construção Igreja foi tempo de oração permanente, dando forma ao lema dos monges que habitaram o Mosteiro, “ Oração e Trabalho”. Esse tempo sem pressa concretizou-se na elaboração de um embelezamento interior que mesmo agora nos fascina. Todo o interior da Igreja nos prende o olhar desde o Altar- Mor aos altares laterais, é impossível ficar indiferente. E é também por essa exuberante arte que somos, convidados a contemplação se os olhos ficam como parados o espírito abre-se e sente.
Não sou especialista como é visível na discrição muito resumida que faço deste autêntico hino à arte humana impregnada de Fé, outros farão isso com mais qualidade técnica e histórica, mas o que me levou a escrever este texto, foi uma data que me parece ter passado quase despercebida.
À entrada da Igreja do lado esquerdo esta colocada uma lápide que diz a seguinte frase, que escrevo a seguir de memória.
“ Principiou-se este templo no Ano de 1628 e acabou-se no Ano de 1661”.
Este ano depois de cerca de 33 anos de construção, a Igreja do Mosteiro, corpo essencial de todo o Mosteiro faz ou já fez 450 anos de existência, 450 anos talvez merecesse alguma lembrança especial, no entanto não me lembro de grandes referências a este acontecimento. Presença constante na nossa vida de todos os dias a Igreja do Mosteiro de Mire de Tibães, foi pouco lembrada nesta data por todos nós, tão preocupados com a crise que nos corrói e desune, e tão pouco atentos a símbolos que fazem parte da nossa identidade e podem contribuir para cimentar a unidade necessária que precisamos de ter


sexta-feira, 7 de março de 2014

QUE MUDAMOS??

Prefácio à quarta edição dos “ Contos da Montanha”


Depois de muitos anos de desterro, regressam novamente ao torrão natal os heróis deste atribulado livro. Nesta época em que tantos portugueses de carne e osso emigraram por fome de pão, exilaram-se eles, lusitanos de papel e tinta, por falta de liberdade.
Enfarpelados num duro surrobeco de embarcadiços, lá se foram afoitamente em demanda do Brasil, o seio sempre acolhedor das nossas aflições. E ali viveram, generosamente acarinhados assistidos de longe pela ternura correctiva do autor. Voltam agora ao berço, roídos de saudade. E não é sem apreensão que os vejo pisar, já menos toscos de aparência o amado chão de origem. É que muita água correu sob a ponte desde que se ausentaram. Quatro décadas de opressão desfiguraram completamente a paisagem do país. A humana e a outra. Velhos desamparados, adultos desiludidos, jovens revoltados – num palco de desolação. Almas amarfanhadas e terras em pousio. Que alento poderá receber dum ambiente assim, uma esperança de torna-viagem? Mas a pátria é um íman, mesmo quando a universalidade do homem, como neste preciso momento, sai finalmente dos limites tacanhos do planeta. Poucos resistem à sua atracção ao verem-se longe dela, seja qual for a órbita em que se movam. Até os seus filhos de ficção. Por mais fortuna que tenham pelo mundo a cabo, é com o ninho onde nasceram que sonham noite e dia. É que só nele se exprimem correctamente, estão cetos os seus gestos, são realmente quem são. De maneira que não me atrevi a contrariar a vinda das minhas humildes criaturas, como a prudência talvez aconselhasse. Pelo contrário: favoreci-a. Pode ser que o exemplo seja seguido, e o êxodo, que empobreceu a nação, comece a fazer-se em sentido inverso, e as nossas misérias e tristezas mudem de fisionomia. Portugal necessita urgentemente de ser repovoado.

                                                               S. Martinho de Anta, Natal de 1968

                                                                                        Miguel Torga

terça-feira, 4 de março de 2014

A RIBEIRA DE PANOIAS

A RIBEIRA DE PANOIAS
A Ribeira de Panoias também chamada de Rio Torto nasce na freguesia de Gondizalves, atravessa parte de freguesia de Semelhe, estando inclusive representada no seu Brasão, desce uma pequena encosta e como se quisesse fugir do seu destino final desenha um sinuoso caminho no sentido contrario ao rio Cávado, finalmente vencido pela lei da física dá uma volta apertada e deixa-se seguir lentamente embora continuando a serpentear pelas terras planas de Frossos, Panoias e Mire de Tibães.
Outrora esta ribeira era uma fonte de riqueza, pois a suas águas límpidas, eram utilizadas pelos proprietários ou pelos caseiros para rega dos terrenos que a marginavam, mas também fazia funcionar inúmeros moinhos ao longo dos seus quase 17km de percurso. Destes moinhos ainda restam vestígios e julgo que algum ainda fará a sua função.
Na minha memória está bem presente a limpidez dessas águas, quando ainda criança, por alturas da catequese na capela da Sra. do Ó, eu e outros da minha idade, em cima de umas pedras que serviam de lavadouro e com as mãos em concha bebíamos daquela água, enquanto víamos circular alguns peixes e girinos (colherezinhas lhe chamava-nos nós). Na superfície as libelinhas (para nós tira olhos, não sei porquê) e um insecto com umas patas bem compridas para o seu corpo e que nós tratávamos por alfaiate, (ainda agora não sei o nome).
Era fácil ver ao longo das margens, pescadores que pacientemente por entre choupos e amieiros exerciam o seu passatempo, quase sempre com êxito pois a ribeira tinha vida.
 A Ribeira de Panoias ou o Rio Torto como também é conhecido morreu, morreu pela incúria de todos nós, mas morreu acima de tudo pela incúria daqueles que tinham a obrigação de proteger o património de todos.
A degradação deste Rio não tem mais que 25 anos e aconteceu num tempo em que as politicas ambientais já fazia parte do discurso político, mas como sempre muito longe dessas práticas.
As causas parecem-me bem visíveis, uma politica de urbanização desordenada permitindo descargas de saneamento acima de tudo doméstico, é possível que algumas vezes ilegalmente, directamente no Rio. Mas o Rio tem, como já disse cerca de 17km de comprimento, será assim tão difícil fiscalizar todo o seu percurso e detectar todas as situações ilegais, corrigindo-as e sancionando quem prevaricou?
A colocação de uma ETAR em Frossos, pelos vistos subdimensionada, junto a este rio, que apesar de algum tratamento de águas, mesmo assim descarrega efluentes acima da capacidade de depuração deste. A condução directa de águas pluviais que em alguns dias atinge um volume muito superior ao que permite a zona de cheias, a construção e a permissão da construção de aterros, e neste caso bem visíveis que só por incúria ou insensibilidade ambiental é que não se actua, estes aterros reduzem ou mesmo acabam com a referida zona de cheias.
Morreu também sem honra, pois não morreu em nome do progresso mas muito da especulação e morreu também sem beleza pois as suas águas já não são límpidas nem transparentes, antes deixam um cheiro fétido e terrenos alagados com lodos de um aspecto absolutamente repugnante.
É este agora o Rio Torto da minha infância.