sexta-feira, 4 de abril de 2014

PERSEGUIÇÃO

PERSEGUIÇÃO

Tinha saído da escola mais tarde que o habitual, a mãe sempre recomendara:
- Logo que acabem as aulas tomas o autocarro e regressas.
 Mas o dia anterior tinha sido especial fizera anos e não resistira a mostrar às amigas o novo telemóvel, não se tinha apercebido do tempo passar, estava já a imaginar as palavras da mãe, ia imaginando as desculpas, afinal mesmo a pé da escola à casa não eram mais que vinte minutos, e parte do caminho seria feito na companhia de algumas colegas.
 Era Novembro o tempo estava mau, passava das dezoito e trinta e era bem escuro, para ainda complicar mais as coisas a iluminação pública estava desligada.
- Decerto por avaria: - murmurou.
A distância entre a escola e a rua principal foi passada entre risos e conversas, quando lá chegaram as amigas viraram à esquerda e ela em sentido contrário, seria cerca de quinhentos metros sozinha, apesar da escuridão queria não ter medo, ainda não tinha percorrido mais que algumas dezenas de metros quando viu aproximar-se um vulto de um homem numa rua que confluía para a principal, instintivamente colou-se à parede batendo sem querer com a mochila nesta, notando que lhe tinha caído qualquer coisa,
 -Um lápis: Pensou,
Mas não parou antes acelerou mais o passo, subitamente aos seus ouvidos chegou o ruído de um arfar de respiração e passos mais rápidos. Em pânico, não sabia o que fazer nem lhe saiam sons da garganta. Tentou ensaiar uma corrida mas as pernas não lhe obedeciam, ela podia escutar passos ainda mais apressados como que a responder à sua reacção e já não arfar mas autênticos rugidos, e aquilo que lhe pareceu uma ordem para parar.
O vulto, atrás ia balbuciando:
- Tenho que a apanhar antes de ela mudar de rua, se isso acontecer não sei como a identificar.
-Vou chamar por ela:-Decidiu:
Mas o caminho já andado e a aceleração daqueles últimos metros impediam-no de gritar, saiu um som frouxo e que ele duvidou que ela tivesse ouvido, tentou acelerar mais o passo, tinha mesmo que a apanhar.
O som que chegou aos ouvidos dela, parecia um miar de mocho, assustou-a mais, a noite parecia ter ganho cores ainda mais negras, as suas pernas apesar de jovens recusavam-se a andar, pelo menos a ela parecia-lhe isso, e no entanto sabia que bastava continuar a manter a distância durante mais alguns minutos e chegaria a casa, ao conforto da casa, ao abraço da mãe, pela cabeça passaram-lhe algumas orações da catequese, não sabia bem se as pensava correctamente, mas o tempo não era de preciosismo. Tinha dois desejos, chegar a casa e fugir daquele monstro. Um desejo trazia o outro.
Lá atrás o vulto fez mais uma tentativa de chegar perto do seu objectivo, acelerou o mais que pode o passo, chamou a si todas as energias disponíveis, e iniciou uma nova etapa em direcção ao alvo, sabia que se ela muda-se de direcção nunca mais lhe ponha os olhos em cima, tinha pouco mais de uma centena de metros antes do aparecimento de uma nova rua, no caso à esquerda se ela vira-se aí com a distância que levava perdê-la-ia de vista para sempre, com aquela escuridão dificilmente a conseguiria identificar, para a abordar mais tarde. A partir daí pensaria o que fazer.
Ela não se atrevia a olhar para trás a escuridão continuava e ninguém na rua, parecia que tudo estava contra, na rua do lado direito algumas casas mas mostrou-se incapaz de tocar numa campainha e pedir ajuda, a paralisação física parecia total, no lado esquerdo apenas um extenso matagal que naquela escuridão projectava sombras assustadoras o vento fazia agitar as folhas das árvores e arbustos fazendo-as semelhantes a horríveis monstros que só via na televisão, sim nos desenhos animados até era divertido, sentia no peito o bater rápido do coração, não conseguia perceber mas sabia que tinha medo muito medo.
Continuando a sua marcha no limite das suas forças o vulto ia planeando:
 -Ela leva trinta, quarenta metros à minha frente, se eu fizer uma corrida, em menos de um minuto apanhou-a e resolvo o problema antes que seja tarde demais, é a minha última tentativa, depois desisto.
Iniciou a corrida de forma desajeitada, não só pelo cansaço, mas também devido à sua estrutura física, um esforço final e apesar do seu muito querer ia ter que desistir.
Não foi logo que ela notou da corrida iniciada pelo perseguidor, porém logo que o fez, apoderou-se totalmente dela o pânico, trazendo a si toda a coragem que ainda restava ganhou forças e arrancou numa corrida a uma velocidade de que não se julgava capaz, rapidamente alcançou o limite da sua rua era aquela que sempre lhe parecia muito perto mas que agora estava a uma distância enorme, a rua continuava deserta a sua casa era logo das primeiras bastava tocar que aquela hora a mãe sabia que era ela e abriria o portão sem perguntar nada.
Ela era jovem e o monstro não, ganhou uma vantagem confortável colou a mão a campainha e não a tirou de lá enquanto a mãe não abriu, entrou de rompante batendo com estrondo o portão de entrada, correu para a porta traseira de casa como habitual, e finalmente libertando-se num choro nervoso e confusamente tentou contar o que se tinha passado.
Naquela hora um tio e um primo tinham passado em casa, deixaram-na acalmar e perceberam que um homem a tinha perseguido, enquanto vinha para casa e que tinha começado a correr atrás dela, mas ela conseguiu fugir.
Armaram-se cada qual com o seu pau e vieram ver se na rua estava alguém, espreitaram do lado de dentro do muro com cuidado de facto a escuridão não facilitava e eles não queriam acender a iluminação da casa para não o espantar, num primeiro olhar não viram ninguém, no entanto a jovem encheu-se de coragem e olhando bem ao longo da rua disse:
- É aquele que esta ali encostado ao muro ao fundo da rua, do lado direito.
 De facto ao fundo da rua via-se alguém que apoiava as mãos no muro e que parecia respirar com alguma dificuldade, como se tivesse feito um grande esforço e nesse momento estivesse a tentar recuperar.
Tio e sobrinho pegaram nos respectivos paus e deram uma corrida veloz em direcção ao homem, que continuava a arfar numa tentativa de normalizar a respiração.
Quando iniciou a corrida para se tentar aproximar da jovem o homem não contou com a reacção desta, mesmo assim não desistiu queria ao menos saber onde ela vivia, no entanto longe de diminuir, a distância foi aumentando tornando cada vez mais difícil cumprir sequer o mínimo que se propusera, saber onde ela vivia, não desistiu e correu até ao fim sabia que ela não o iria ouvir pois gritar e correr nas condições físicas e principalmente com o peso que tinha, não era fácil, bem sabia que precisava de exercício, mas não era aquela a ocasião para se lamentar, ou para fazer propósitos para o futuro. O que mais temia aconteceu, na primeira rua à esquerda ela virou e ele já levava um atraso considerável, só com sorte saberia qual era a casa onde ela entraria, tentou mais um pouco.Com esperança reflectiu.
-Talvez alguma iluminação durante a entrada, permita identificar onde ela mora.
 Por isso não desistiu, chegou ao limite da rua olhou e tudo deserto nada de iluminação nada de pessoas. Finalmente desistiu e permitiu-se um descanso apoiou os braços nas grades do muro e foi respirando apressadamente precisava de tempo para normalizar os batimentos do coração, precisava de tempo para normalizar a respiração, depois pensaria o que fazer, subitamente notou um alarido e os seus olhos e sentidos nem queriam acreditar sentiu o choque de uma vara a atingir-lhe as costas e a cabeça, sentiu uma forte pancada seguida de uma dor violenta junto a orelha o sangue a correr pelo pescoço e gola do casaco, instintivamente virou-se levantou os braços em protecção, com uma mão bem levantada segurando um objecto.
Quando se voltou, tio e sobrinho ficaram espantados, olhavam para a pessoa e nem queriam acreditar aquela pessoa a perseguir uma menina?
- O Senhor não tem vergonha: - Disseram.
- Vergonha! Vergonha! De quê? – Respondeu espantando e incrédulo
- Então a perseguir uma rapariga que podia ser sua neta? - Insistiram
- Perseguir uma rapariga? Eu? – Gritou desesperado 
- Eu queria era entregar-lhe este telemóvel que ela deixou cair à saída da rua da escola.
Abriu a mão mostrando o telemóvel novo oferecido nos anos, e que ele reparara que caíra quando a rapariga tinha tropeçado de encontro à parede.   




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